“Eu sou um Inuk, eu estou vivo”

traduzido por Júnia Torres

Para experimentar como os adolescentes veem o mundo, um mundo particular, convidamos a assistir ao filme Inuuvunga, um documentário concebido e filmado por um grupo de estudantes do ensino médio em Inukjuak, no Canadá. O filme, cujo título significa “I am Inuk, I am Alive” em inglês, apresenta uma visão sem censura da vida através dos olhos das e dos adolescentes Inukjuak, Dora e Rita-Lucy Ohaituk, Caroline Ningiuk, Willia Ningeok, Sarah Idlout, Laura Iqaluk, Linus Kasudluak e Bobby Echalook, que participaram de um projeto do National Film Board. O programa NFB ministrou formação em cinema para os oito adolescentes, que foram orientados por dois cineastas independentes premiados, Daniel Cross e Mila Aung-Thwin. Pierre Lapointe produziu o filme para o NFB. O resultado de sua colaboração é um testemunho da beleza, tédio, dor e esperança de envelhecer no Norte de hoje. É uma jornada tocante e comovente por vidas entre dois mundos: a cultura do sul e os valores tradicionais dos inuit, povos originários que hoje habitam o que chamamos Canadá. Os adolescentes receberam Cross e Aung-Thwin para conduzir as oficinas de cinema no último ano do ensino médio na Innalik School. O objetivo dos cineastas era fornecer aos participantes as habilidades e os equipamentos básicos para que experimentassem a documentação deste ano crucial em suas jovens vidas.

A produção aconteceu após uma onda de suicídios na comunidade. Como resultado, diz Aung-Thwin, as crianças queriam ter algo que não fosse apenas orientado para problemas ou focado nas dificuldades dessas populações. “Uma de suas queixas era que as pessoas só entravam em sua comunidade quando havia um suicídio”, diz Aung-Thwin. As crianças decidiram mostrar suas vidas ao longo do ano. “Eles não queriam fazer um filme baseado em problemas, mas os problemas continuaram surgindo. Acho que houve uma luta durante todo o processo para manter o equilíbrio”, diz Aung-Twin. “E o filme é uma espécie de equilíbrio também para elas. As crianças são crianças, mas viram coisas que as incomodaram”.

Então, o que você vê quando acaba colocando uma câmera nas mãos de um adolescente em Inukjuak?

Primeiro, você obtém um filme cheio de ângulos interessantes, iluminação estranha e movimentos bruscos, olhando para assuntos de maneiras incomuns e fora dos enquadramentos regulares. Com a câmera na mão, Willia Ningeok nos mostra seu quarto e explica como está entediado, enquanto Linus Kasudluak filma sua casa tarde da noite e mostra os membros de sua família dormindo. Em outras sequências, somos postos diante da paisagem e do modo como os corpos estão voltados para a ação ao fundo, por exemplo, de uma manada de caribus. Os adolescentes aparecem por trás. O amigo que segura a câmera está em sinergia com o mundo filmado. Os adolescentes em frente à sua câmera também fazem parte da paisagem. O cineasta em processo de imersão, uma vez que ele participa da ação tanto quanto seu olhar fílmico, é atraído para ela. Isso pode ser observado em diferentes quadros, na forma como a imagem se move em sincronia com os movimentos dos corpos de quem filma. O adolescente que filma corre nas rochas de gelo, esquecendo que a câmera ainda está em funcionamento gravando imagens. É notável como a cena, permanecendo na montagem final, nos faz perceber e refletir sobre as consequências formais dessa dimensão interna da realização.

Inuuvunga percorre toda uma gama de emoções: há ironia e humor em uma sequência sobre uma falsa caça à raposa, tristeza quando a perda de amigos por suicídio é revisitada, momentos surpreendentes de tensão entre idosos e jovens, bem como de amor e carinho entre avós, pais e filhos. O filme mostra a comunidade vizinha de Inukjuak como um lugar no qual “não há muito para onde ir”, onde o aeroporto é “o único lugar para sair da cidade”. Mas quando uma câmera capta o som e a visão da neve gelada ou filma o tradicional desfile de snowmobile da véspera de Ano Novo, Inukjuak parece e soa lindo.

O filme também segue as crianças em uma viagem da classe para Montreal. Os jovens cineastas tentaram explorar as contraposições entre velhos e jovens, e Aung-Thwin diz que era “importante que eles descobrissem”. Algumas das sequências mais interessantes de Inuuvunga acontecem quando jovens e velhos se enfrentam. Bobby Echalook questiona seu avô que é pego de surpresa. Uma conversa entre mãe e filha sobre adoção revela uma profunda afeição entre Anna e Rita-Lucy Ohaituk. Uma garota queria fazer um curta-metragem sobre jogos de azar na comunidade, mas descobriu que ninguém queria falar com ela.

Durante uma sessão de confecção de kamik [botas tradicionais de pele], as meninas conseguiram trazer à tona o assunto do suicídio com as mulheres mais velhas presentes. É indiscutível como esse tipo de projeto proporciona uma reflexão sobre diferentes aspectos da vida social e sobre como a criação em vídeo pode ser uma forma de “alavanca” para a mudança.

“O documentário investigativo era um conceito estrangeiro”, diz Aung-Thwin. “Então, eles tiveram que encontrar um meio-termo entre o farfalhar das penas e fazer uma troca de mão dupla”.

Currículo

Jane George

é jornalista do Nunatsiaq News, Canadá, 2004