Emergência política das mulheres na “trilogia da terra”, de Tetê Moraes¹

Fruto da aliança ética de Tetê Moraes com as famílias sem-terra que conheceu acampadas na Fazenda Annoni (RS), em 1986, a trilogia composta por Terra para Rose (1987), O sonho de Rose (2000) e Fruto da terra (2008) projeta um arco temporal de mais de 20 anos de lutas por reforma agrária popular no Sul do Brasil. Neste ano em que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra celebra 40 anos de ocupação da Fazenda Annoni, marco da luta pela terra no país (as quatro décadas de trajetória política foram comemoradas pelo movimento em 2024), os filmes oferecem não apenas um valioso registro do primeiro grande acampamento do MST (e de seus desdobramentos e conquistas), como também apresentam uma elaboração pioneira do processo de politização das mulheres no bojo da luta pela terra. 

Terra para Rose (1987) parte da experiência de um grupo numeroso (eram 1.500 famílias acampadas no então latifúndio improdutivo, em processo moroso de desapropriação), mas se ancora nos percursos e nas falas de algumas mulheres acampadas – Serli, Luci, Dilma, Rita, Vanda, Ema e, especialmente, Rose, mãe de três filhos que, na pressão pela desapropriação da Fazenda Annoni, marcha durante 28 dias com companheiras e companheiros até Porto Alegre, percorrendo cerca de 500 quilômetros com um bebê de nove meses no colo. Morta pouco tempo depois, em março de 1987, aos 33 anos, vítima de um atropelamento criminoso,² Rose se tornou um símbolo da luta pela reforma agrária no Brasil – e o filme de Tetê Moraes, finalizado após a sua morte, participa de modo decisivo dessa construção. 

Documento de fundamental importância, Terra para Rose extrai seu percurso narrativo da movimentação das acampadas e acampados em sua luta para “tirar a reforma agrária do papel”: marchas, protestos, celebrações, acampamentos em Porto Alegre, resistência à polícia. As duas primeiras sequências, entre os créditos iniciais, montam planos de diferentes atos públicos, em cujas imagens as mulheres ganham centralidade. Em uma das “caminhadas para plantar em paz”, acompanhadas de crianças, elas empunham ramos verdes e cantam o Hino Nacional. É o mote para que o filme introduza o primeiro bloco (“a promessa”), que contextualiza “o mais tradicional problema brasileiro: a má distribuição da terra agrícola” (como se ouve em A classe roceira, filme de Berenice Mendes, contemporâneo de Terra para Rose). 

Depois de firmar um ponto de vista junto às mulheres sem-terra, o filme de Tetê Moraes expõe didaticamente seu tema: de volta à pauta política com o fim do regime militar, a questão da terra é reconhecida como ponto central das mudanças sociais necessárias à efetiva democratização de um país de “estrutura fundiária arcaica”, onde havia – como ouvimos na voz da narradora Lucélia Santos – “pelo menos 12 milhões de famílias de trabalhadores rurais sem terra”, e “mais de mil camponeses” haviam sido assassinados em duas décadas. Terra para Rose recorre a imagens de arquivo para expor sinteticamente o acirramento do problema agrário no Brasil da transição democrática. Ele esteve no cerne do golpe militar de 1964, associado ao descontentamento das elites com as pressões populares e com a política reformista de João Goulart; produziu o êxodo de 24 milhões de pessoas do campo para as cidades entre 1970 e 80, efeito da modernização conservadora dos governos militares; e reaparecia nas grandes promessas e nos impasses do primeiro governo civil depois de 20 anos de ditadura. 

2. Encenar a luta de classes e desestabilizar hierarquias de gênero

A contextualização situa, mas não subsome a luta cotidiana das trabalhadoras e trabalhadores acampados na Fazenda Annoni, que move efetivamente o filme de Tetê Moraes. Estruturado em blocos nomeados por intertítulos (“a promessa”, “a pressão”, “a espera”, “o confronto”, “o sonho”, “a trégua”), mas seguindo o fio temporal da luta dos sem-terra, o filme também recorre a momentos de dialetização, na montagem, quando encena – de maneira muito peculiar – a luta de classes. Depois de apresentar o acampamento sem-terra, o segundo segmento (“a pressão”) monta em paralelo falas de Bolívar Annoni, proprietário da fazenda, e de Rose, jovem acampada. Assim, a fala do proprietário é contraposta ao que diz uma camponesa sem-terra (e não um camponês). Essa escolha, muito significativa, confronta a tradicional invisibilidade das mulheres na construção imagética (mas não apenas) da classe trabalhadora (SCOTT, 1988) e desestabiliza hierarquias de gênero – o questionamento da posição pública subordinada (aos maridos ou a outros “homens da casa”) sendo, aliás, um dos efeitos que algumas autoras atribuem à participação das mulheres na luta pela reforma agrária no Brasil. 

Para além do que é dito (e das maneiras de dizer), o contraste se produz pela mise-en-scène das entrevistas e pela montagem. Enquanto o latifundiário aparece sentado no sofá de sua sala confortável, enquadrado em um plano americano bem iluminado (a câmera tomando de seu corpo a distância convencionalmente “correta”), Rose é filmada em close, sentada no chão junto aos seus filhos, em um quadro pouco iluminado que denota proximidade e destaca seu rosto queimado de sol. Hesitante, confuso e acuado, Bolívar Annoni mal consegue concluir uma frase – e a montagem reforça sua desarticulação, ao fragmentar em três planos o diálogo (um plano para cada vez que Tetê Moraes refaz a mesma pergunta). Rose, ao contrário, sabe se valer da arena pública que a câmera instaura em seu espaço provisório, testemunhando, com firmeza: 

A nossa situação era precária. A gente morava de agregado, tinha que dar a maior parte do que a gente colhia para o patrão, chegava no fim da safra a gente não tinha nada... e depois começou a comprar trator, ceifa, essas coisas, e disseram para nós arrumar outro lugar, não tinha mais terra, pois eles iriam plantar. Aí a gente, como já estava organizado há três anos, resolveu ocupar a Fazenda Annoni.

Enquanto Rose expõe com precisão os efeitos perversos, sobre sua família, da modernização conservadora no campo gaúcho,³ o proprietário, por sua vez, mal consegue exprimir “como sente a perda de sua fazenda” (na provocação de Tetê Moraes). Quando Rose retorna, na montagem paralela, Tetê introduz o tema das relações de gênero, de modo a destacar os muitos enfrentamentos da mulher sem-terra: ela pergunta o que o marido de Rose achou de seu propósito de acampar. “Ah, ele não queria que eu fosse, daí eu disse: mas eu vou! E ele disse: ‘Se tu achas que pode ir...’. Acha não, eu posso, e vou”. Rose estava grávida, enfrentou a polícia para entrar no acampamento, mas conta que prosseguiu “com muita coragem e fé em Deus”: “acampamos no dia 29 (de outubro), quando foi no dia primeiro de novembro eu ganhei ele” – referindo-se ao filho caçula, Marcos Tiaraju, primeira criança a nascer no acampamento da Fazenda Annoni. 

Assim, o filme não apenas visibiliza a experiência e privilegia a fala de uma mulher sem-terra (alçada, no confronto com o latifundiário, a representante de toda uma classe); como também sublinha, no mesmo gesto, que se trata de uma posição específica no seio da classe – sendo preciso “singularizá-la para tratá-la diferentemente” (SCOTT, 1998, p. 63-64). Sendo uma trabalhadora rural desprovida de terra e em luta, Rose compartilha a construção da identidade “sem-terra” – que se dá, decisivamente, pela diferenciação “dos que têm terra, muita terra, os grandes proprietários” (PASQUETTI, 2007, p. 47). Mas, como mulher, nesse contexto, enfrenta situações de opressão e dominação específicas que nem sempre coincidem com a classe política mais abrangente. A resposta de Rose nos faz pensar que a luta pela terra, além dos enfrentamentos de classe (que parecem estimular a presença e agência femininas no espaço público), também pode – e não sem conflitos – politizar o cotidiano das mulheres do campo (levando-as a tensionar as relações de dominação no espaço doméstico). Como sintetiza a pedagoga Sônia Schwendler (2009, p. 209), “o ingresso da mulher na luta pela terra colocou-a não apenas diante da luta de classes, mas também diante do enfrentamento da questão de gênero”. 

Ganhando camadas, o confronto entre as falas de mulheres sem-terra e de homens que ocupavam posições de poder (representantes da elite econômica e da classe política) é retomado em outros momentos do filme – em uma valorização do movimento social basista em detrimento da política institucional, mas também de modo a (re)encenar a luta classista que está no cerne do conflito (complexificada, como vimos, pela dimensão de gênero). É o caso da sequência em que se contrapõe a fala retórica do então ministro do Desenvolvimento Agrário, Dante de Oliveira, ao discurso inflamado de uma mulher sem-terra acampada no estacionamento do Incra, em Porto Alegre. Enquanto toma seu chimarrão, ela joga por terra a aliança sugerida pela fala do político, preferindo imagens em tudo contrastantes: “Acontece lá com aqueles ministros, eles falam em amor, em natal de amor, mas fica pra eles, em tetos agasalhados, perfumados... e as crianças do acampamento comendo poeira”. 

Assim, Terra para Rose confronta, na montagem, a lucidez e energia das mulheres sem-terra com a indiferença e desarticulação do discurso de políticos e do próprio latifundiário, fixados em seus espaços privilegiados de poder. Enquanto eles se mantêm na defensiva, elas se põem corajosamente à frente, expondo seus corpos, marchando com os filhos, enfrentando a polícia, fazendo a história – o que se reforça pelo modo como as reflexões das sem-terra são provocadas e registradas em meio à ação política, com a câmera posicionada em seus espaços provisórios de luta. 

É das mulheres que ouvimos, em Terra para Rose, o quanto a luta ensina e transforma – sendo o processo, em si, potencialmente emancipatório. Acampados no estacionamento do Incra, em Porto Alegre, um grupo proveniente da Fazenda Annoni pressiona os governos federal e estadual pela reforma agrária. É ali que conhecemos as cunhadas Serli e Luci. Em meio aos afazeres cotidianos e às reuniões em que se planejam ações, Serli constata a vida “totalmente diferente” que tem levado no acampamento, produzindo o cotidiano numa comunidade expandida, para além do núcleo familiar – “nosso barraco tá quase sempre cheio de gente”, confirma Luci. Prossegue Serli: “Antes eu vivia uma vida mais minha, agora a gente vive uma vida mais aberta. Com meu marido, meu filho... a gente aprende e passa a educar dessa forma diferente que está aprendendo agora”. 

Sagaz, a montagem do filme põe em contato (e em confronto) dois extremos, trabalhados inclusive visualmente: os homens no poder (expressão máxima da continuidade patriarcal) versus a emergência das mulheres sem-terra como sujeitas políticas (expressão mais intensa da mudança social naquele contexto). 

3. Construir (com nuances) o protagonismo das mulheres

Terra para Rose não apenas inscreve a emergência dessas novas “sujeitas” no espaço público como expõe, ao acompanhar os percursos de algumas delas, nuances em suas experiências e posicionamentos – o que impede que a atuação das mulheres no movimento seja fixada em um só papel. Refiro-me especialmente à dupla de cunhadas, Serli e Luci, já mencionadas: uma na retaguarda, “cuidando do barraco, da comida”, outra na linha de frente das negociações e comissões de trabalho dos sem-terra acampados havia seis meses na capital gaúcha. 

A sequência, muito densa, prima por uma montagem complexa que costura ao menos três dimensões e temporalidades. Nas imagens, vemos Luci caminhar pelas ruas de Porto Alegre e Serli preparar pão no barraco. A montagem intercala as falas das duas cunhadas, de modo a expor as diferenças entre as atuações presentes de Serli e Luci, que elas assumem não como conflitantes, mas complementares. Pois se a atuação na luta difere, as duas se “reencontram” no futuro que projetam, ambas afirmando a opção pela terra, que a estrutura fundiária injusta e desigual ameaça – as imagens de Luci na capital gaúcha, assim, sugerem também um devir migrante, destino de quase 1 milhão de gaúchos a partir de 1970. Já o preparo do pão por Serli materializa o desejo de cultivar um modo de vida, em conexão com o passado rural recente – que a família reproduz precariamente em Porto Alegre, onde lutam, justamente, para ter um “pedaço de terra” e não serem obrigadas a migrar em definitivo. 

4. Do acampamento ao assentamento: 10 anos depois

Entre outras imagens de Terra para Rose, os planos de Serli sovando a massa de pão são retomados no filme O Sonho de Rose (2000), que reencontra os acampados da Fazenda Annoni 10 anos depois – muitos deles já assentados em diferentes pontos do Rio Grande do Sul. Enquanto Terra para Rose é um filme feito “junto com a história”, como define a cineasta, sendo movido pela movimentação dos sem-terra, O Sonho de Rose é fundado por uma proposição fílmica: o reencontro com as ex-acampadas, a começar pelas famílias assentadas na Annoni. Espécie de road movie documental, o segundo filme se move entre diferentes localidades do estado, registrando a situação das personagens do primeiro filme, em sua maioria assentadas e já distantes das incertezas do acampamento. 

No reencontro, 10 anos depois, o momento é outro: trata-se de fazer um balanço da luta dos sem-terra, narrar sua história, recolher as conquistas familiares, sociais e econômicas da reforma agrária popular, o que produz um tom bem distinto: mais apaziguado em O Sonho de Rose, empenhado em constatar a experiência positiva dos assentamentos (mesmo que conflitos apareçam). A temática feminina esmorece: a emergência das mulheres sem-terra na esfera pública dá lugar, especialmente no assentamento da Fazenda Annoni, às falas de lideranças masculinas, porta-vozes “oficiais” do movimento. 

Alguns reencontros são preciosos. Em Nova Ramada, Tetê filma Serli e Zé, agora pais de dois filhos. Assentados junto a outras 100 famílias desde 1989, eles contam dos desafios do trabalho coletivo, nas cooperativas que fundaram, mas também dos frutos literalmente colhidos. Enquanto assistem à TV em casa, Serli faz pão – e as imagens da massa sendo sovada, 10 anos antes, no barraco do acampamento em Porto Alegre, são retomadas na montagem. O preparo do pão, com toda a conotação cristã que carrega, se torna assim um vetor de conexões: entre o tempo de acampar na “lona preta” e aquele de se assentar “em cima da terra”; entre a luta dos sem-terra e a vida de pequenos produtores rurais. 

Na sequência seguinte, vemos Serli e outros assentados contribuindo com o acampamento Julio de Castilhos (MST), onde vive o mesmo número de famílias que acampou na Annoni em 1985. Em Terra para Rose, Serli projetava: “a gente fica até sonhando quando sair daqui, que a gente vai pra lavoura, em cima da nossa terra (...) mas a gente pensa também em continuar fazendo algum tipo de trabalho para ajudar quem tá lá fora”. No tempo abarcado pelo cinema-processo de Tetê Moraes, um ciclo parece se completar com a experiência de Serli. Mas, na visita ao acampamento Júlio de Castilhos, O sonho de Rose recoloca a urgência da luta e a abertura da história. 

Se o arco projetado pelos dois filmes sugere que a consciência de classe restou como saldo da luta pela terra, fica a pergunta: terá a pedagogia da luta, para as mulheres, frutificado? Sequências depois, o reencontro com Luci, que se afastou das raízes rurais e do movimento social, frustra nossas expectativas em relação à potencial emancipação feminina na terra (no bojo da reforma agrária). Por outro lado, é exemplo de como as trajetórias individuais complexificam a história do movimento coletivo – que aparece com mais nuances e de maneira menos triunfalista quando algumas dentre as múltiplas trajetórias das sem-terra são consideradas.

5. A memória de Rose

Propomos finalizar tratando, sucintamente, do papel da trilogia de Tetê Moraes na elaboração da memória de Rose e de sua luta. 

Além de Marcos Tiaraju, seu filho caçula, Rose aparece em cena, em Terra para Rose, ao lado de Vanisa, a primogênita, que tinha sete anos em 1986. Quando filmada novamente em O sonho de Rose, Vanisa trabalhava como empregada doméstica para compor a renda da família, que, em 1997, vivia de aluguel na Grande Porto Alegre: casado com Vilma, José, viúvo de Rose, trabalhava como pintor, depois de ter “desistido do acampamento” sem-terra. 

Na casa pobre, em volta da mesa de jantar, as crianças conversam sobre a mãe, provocadas pela filmagem. “O que você lembra de sua mãe?”, pergunta Tetê a Marcos Tiaraju. “Nada”, ele responde – palavra destacada na tela. A situação dos filhos de Rose, que ainda não estavam, em 1997, “em cima de um pedaço de terra”, é emblema da irresolução da história e da necessidade de que Rose fosse lembrada: “eles tinham que ganhar um pedaço de terra, pela luta da Rose”, diz uma das mulheres reencontradas por Tetê Moraes. 

Na imagem de Terra para Rose retomada na introdução da sequência, Rose dizia, em meio ao cerco policial e com Marcos Tiaraju no colo: “Espero que quando ele esteja grande, tudo isso não seja em vão. Ele tenha um futuro melhor”. Retomando imagens do filme anterior, O sonho de Rose assume-se como arquivo da memória sem-terra, atualizada para impedir a obstrução do futuro. Agência que se explicita ao final, nos letreiros: entre as filmagens (em 1996/1997) e o lançamento (em 2000), ex-companheiros de Rose, motivados pelo fazer do filme, “fizeram gestões junto ao Incra e o viúvo de Rose recebeu um lote de terra”. 

Abrindo-se novamente ao futuro, o cinema reencontra a história de Rose em 2008, quando Tetê Moraes visita Marcos Tiaraju, agora estudante em Cuba. O curta Fruto da Terra expõe algumas das mudanças que a conquista de “um pedaço de chão” possibilitou à família de Rose. Para isso, retoma imagens dos filmes anteriores, como o plano de Rose com Marcos ainda bebê no colo. Em 2008, militante sem-terra, Marcos cursava medicina em uma escola cubana para estudantes latino-americanos. Em uma de suas sequências, Fruto da Terra figura a conexão entre a luta de Rose e o presente de seu filho caçula. Vemos, em uma imagem de arquivo, Rose carregando Marcos enquanto caminha em uma praia, da direita para a esquerda. No plano seguinte, Marcos, aos 22 anos, caminha na beira do mar em Havana, movendo-se da esquerda para a direita. A sugestão de um encontro entre mãe e filho, potência do cinema, reverbera o posicionamento de Marcos no presente da filmagem: depois da conquista da terra, tendo retomado a relação com o MST (“de onde nunca deveríamos ter saído”), ele reconhece que a mãe semeou sua trajetória, e afirma querer “transformar essa força que ela tinha, esse espírito de luta, numa coisa que me faça seguir adiante”.

Notas

  1. Esta é uma versão com cortes e revisada do artigo “‘Minha vida mudou muito, do acampamento até aqui’: o documentário brasileiro e a emergência das mulheres sem-terra como sujeitas políticas”, publicado no livro Poéticas de Pesquisa: Cartografando o Audiovisual (2023).
  2. Em 31 de março de 1987, durante um protesto contra a indefinição da Nova República com relação à política agrária, um caminhão investiu contra uma barreira humana formada na BR-386, em Sarandi (RS). A ação resultou em 14 agricultores feridos e em três mortos: Lari Grosseli, 23 anos; Vitalino Antonio Mori, 32 anos; e Roseli Nunes, 33 anos.
  3. Encontramos uma síntese precisa da crise no campo gaúcho deflagrada pela monocultura de soja no filme Encruzilhada Natalino (Ayrton Centeno e Guaracy Cunha, 1981): “Nos últimos 15 anos um novo personagem tomou conta dos campos do Rio Grande do Sul: a soja. Lavoura empresarial dispensando braços e acenando com grandes lucros, a soja foi saudada como ‘o milagre gaúcho’ [...] Um truque que serviu de ponta de lança para a penetração do capital estrangeiro no campo, através das multinacionais de fertilizantes, máquinas e pesticidas. [...] Além disso, a monocultura concentrou ainda mais a propriedade da terra. Endividados, os colonos passaram a comprar aquilo que antes produziam. Deixaram de criar porcos e galinhas e plantar sua horta de subsistência. Agora, sua única preocupação é a soja. Ela precisa dar uma boa colheita. Tudo funciona como um jogo, em que cada parceiro tem direito a uma só cartada. É tudo ou nada. Quem perde a produção tem os bancos em cima, cobrando as promissórias. Muitas vezes, a única saída é vender a terra e partir para a cidade. Nos últimos 12 anos, essa foi a trilha de 700 mil gaúchos”.

Referências

MESQUITA, Cláudia. “‘Minha vida mudou muito, do acampamento até aqui’: o documentário brasileiro e a emergência das mulheres sem-terra como sujeitas políticas”. In: FARIAS, Ana Ângela; GUIMARÃES, César; MENDONÇA, Fernando; IZIDORO, Renato (orgs.). Poéticas de pesquisa: cartografando o audiovisual. Aracaju: PPGCINE/UFS, Criação Editora, 2022. 

https://editoracriacao.com.br/poeticas-de-pesquisa-cartografando-o-audiovisual/

PASQUETTI, Luis Antonio. Terra ocupada: identidades (re)construídas – 1984-2004. 2007. Tese (Doutorado em História) – Universidade de Brasília, Brasília, 2007.

PETRAS, James. Uma revolução dentro da revolução. In: COLETIVO NACIONAL DE MULHERES MST. Compreender e construir novas relações de gênero. São Paulo: Peres, 1998.

SCHWENDLER, Sônia Fátima. A participação da mulher na luta pela terra: dilemas e conquistas. In: FERNANDES, Bernardo Mançano; MEDEIROS, Leonilde Servolo de; PAULILO, Maria Ignez (org.). Lutas camponesas contemporâneas: condições, dilemas e conquistas. São Paulo: Editora Unesp, 2009. v. 2: A diversidade das formas das lutas no campo.

SCOTT, Joan. Gender and the politics of history. Nova York: Columbia University Press, 1988.